Desde seu lançamento, em 1959, Barbie se consolidou como uma poderosa marca em praticamente todos os tipos de mídias existentes. A boneca criada por Ruth Handler e fabricada pela Mattel dominou o mundo dos brinquedos ao vender bilhões de unidades e abraçou milhões e milhões de crianças ao redor do mundo ao longo das décadas. E foi daí para cima. Das bonecas, Barbie ganhou espaço em revistas, animações, jogos e, agora, vai dominar as salas de cinema com o longa dirigido Greta Gerwig e coestrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling. Um filme que muitos acreditaram ser bizarramente desnecessário, mas que levanta questionamentos fundamentais para novas e velhas gerações – além de ser uma experiência deliciosamente divertida.

Reprodução: Warner Bros. Pictures

Ao traçar um paralelo genial com 2001: Uma Odisseia no Espaço, o filme Barbie revela um dos principais papéis da boneca que pintou o mundo de rosa: ela veio para quebrar o paradigma de que bonecas precisavam ser somente bebês que deveriam ser cuidadas por meninas – que automaticamente simulavam o papel de uma mãe. Bonecas deveriam ser empoderadas, divertidas, deveriam ser um símbolo e deveriam complementar a brincadeira – a vida de plástico é fantástica, não é mesmo? – É isso que a Barbie estereotipada de Margot Robbie inicialmente pensava.

Ela acorda todos os dias na Barbilândia com as outras Barbie para cantar, tomar sol, ouvir a Presidente Barbie (Issa Rae) e ir à praia com as outras Barbie e os Ken. À noite, as Barbie fazem uma festa do pijama e o ciclo se repete. É ao se deparar com pensamentos sobre a morte e ter sentimentos depressivos que a Barbie de Margot Robbit estabelece um problema a ser resolvido: o que car@*$%# está acontecendo ? – tal pergunta transitou pela minha mente em diferentes momentos do filme. A trama central estabelecida rapidamente faz o primeiro ato do filme dar mais espaço para o desenvolvimento do longa de uma forma totalmente positiva, uma vez que o roteiro de Greta Gerwig e Noah Baumbach se sustenta através de desfechos cada vez mais absurdos, referências aos montes e questionamentos sobre patriarcado, machismo, femininismo e o papel das mulheres e homens na sociedade. Um ritmo que tinha tudo para ser desgastante, mas é recheado de alívios cômicos que funcionam tanto através dos diálogos quanto através das atuações. É assustador o quanto o humor e as performances do filme funcionam.

Reprodução: Warner Bros. Picture

Sabe, Barbie não é o que eu esperava. É claro que eu ansiava pelo espalhafotoso mundo rosa, referências às bonecas Barbie e aos Ken e situações que só bonecos poderiam viver, mas a direção de Gerwig faz o filme caminhar entre dois caminhos maravilhosamente distintos. O primeiro caminho é mostrar que, de forma bem inteligente, o longa não se leva a sério quando discute a convivência entre bonecas – e realmente não deveria, já que mostra bonecas vivendo uma vida cartunesca em uma realidade paralela. É justamente por se aproveitar  disso que as piadas de Barbie funcionam tanto. É por isso que as cenas musicais e as sacadas divertem tanto: porque o roteiro do longa se apoia e se aproveita do bizarro e do cômico para divertir. Um exemplo é a intromissão da narradora Helen Mirren, que aparece no começo do filme e em momentos para explicar algo ou simplesmente para fazer uma piada com Margot Robbie ou com a Barbie. Outro exemplo é uma cena de perseguição à la Scooby Doo – uma cena completamente desnecessária e que beira o ridículo, mas que funciona no contexto do longa. Aliás, o próprio formato do filme se inspira em animações para formar uma estrutura narrativa, o que mostra que tal caminho é seguro e funciona perfeitamente. É inteligente quando ser e quando não ser ousado.

O segundo caminho que Barbie trilha levanta questões fundamentais sobre a sociedade, principalmente sobre a  patriarcado, machismo e feminismo. Ler isso pode dar a impressão de que o filme força o debate, mas ele faz isso naturalmente graças à trama de Gerwig. Barbie foi criada para ser um símbolo feminino, para enfatizar que a mulher pode ser o que ela quiser, para ser um padrão de força. Mas como é possível ser tal símbolo em uma sociedade patriarcal que espera que uma mulher seja forte, mas sumissa, seja independente, mas cuidadora, seja feliz enquanto é diminuída?

A diretora consegue fazer o debate funcionar através das reflexões de Barbie e Ken, além da relação entre Gloria (America Ferrera) e Sasha (Ariana Greenblatt), mãe e filha com conexões distintas ao mundo da Barbie – vale destacar que o monólogo final de America Ferrera é um soco no estômago necessário e inspirador. Aos poucos, Barbie usa um patins no cômico e outro em questionamentos sociais para visitar lados coloridos e cinzas da sociedade – e faz isso com um sorriso primoroso. Não vá ao cinema achando que Barbie é um filme despretencioso. Ele até pode ser à primeira vista, mas Gerwig adiciona camadas bem reais e sérias nos diálogos e desfechos do longa, que passa num piscar de olhos. Uma montanha-russa narrativa que diverte muito, mas que também me fez arregalar os olhos quando assuntos mais sérios eram discutidos.

Reprodução: Warner Bros. Pictures

O ótimo roteiro e a excelente direção não funcionariam se as atuações não estivessem nos mesmos níveis. Mas estão. E como estão. É indiscutível como Margot Robbie se distancia de outros papéis e vive sua Barbie de forma primorosa – tanto nos momentos divertidos quanto nos momentos mais dramáticos e depressivos. A execução das piadas, as sacadas, as tiradas, os sentimentos… Tudo que a atriz precisa executar é executado na medida certa. O mesmo vale para Ryan Gosling e seu Ken. Em um momento ou outro o ator parece não conseguir atingir o mesmo nível de Robbie, mas ele logo encontra recursos e não escorrega na execução de um personagem que consegue ser mais complexo do que inicialmente transparece – principalmente quando o patriarcado fica escancarado através do boneco. Aliás, não é só a dupla que entrega performances impecáveis. Todo o elenco se completa da forma mais naturalmente bizarra possível. Simu Liu é um ótimo Ken, mas à sua própria maneira, assim como Hari Nef é uma Barbie esplendorosa, mas seguindo uma performance única e bem distinta. Chega a ser bizarro como as peças do longa se encaixam tão bem.

Reprodução: Warner Bros. Pictures

Barbie é uma experiência deliciosamente divertida. Mesmo seguindo uma fórmula batida já estabelecida em animações – e filmes da sessão da tarde -, o longa consegue levantar questionamentos essenciais sobre o feminismo e sobre sentimentos de forma divertida e emocionante enquanto passa por inúmeras referências à cultura pop, ao universo Barbie e relacionamentos. Todas as peças deste grandioso brinquedo colorido se encaixam de forma fluida e cômica, mas não menos emocionante. No fim das contas, Barbie é um filme que eu não sabia que precisava assistir.

 

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Barbie (2022)
País: EUA | Classificação: 12 anos | Estreia: 20 de julho de 2023
Direção: Greta Gerwig | Roteiro: Greta Gerwig e Noah Baumbach
Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, Ariana Greenblatt, America Ferrera, Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Helen Mirren, Michael Cera, Kate McKinnon, Nicola Coughlan, Hari Nef, Emma Mackey

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Cofundador e editor-chefe do Duas Torres. Fascinado pela narrativa de J. R. R. Tolkien e pela evolução do entretenimento, encontra paz ao escrever sobre filmes, séries e games.

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