M. Night Shyamalan é sinônimo de expectativas e antecipação – seja positiva ou negativamente. Mas não é à toa, afinal, o cineasta conta com os aclamados O Sexto Sentido (1999) e Corpo Fechado (2000) e os bizarros Fim dos Tempos (2008) e O Último Mestre do Ar (2010) no currículo. Batem à Porta, seu mais novo longa, não foge à regra – principalmente por ser uma adaptação do livro O Chalé no Fim do Mundo, do autor Paul Tremblay, e por contar com uma premissa repleta de tensão e alegorias apocalípticas ao narrar a história de uma família que, após ser feita refém por quatro estranhos em um chalé, é forçada a decidir se devem ou não sacrificar um de seus membros para impedir o fim do mundo. E mesmo sem ser uma história completamente original de Shyamalan, o cineasta consegue exaltar quase todas as qualidades de direção que o elevaram ao topo do sucesso no início dos anos 2000, principalmente a sua crescente tensão narrativa. No entanto, no meio do caos, o diretor cria uma ruptura pessoal e profissional com seu final simples e morno.

Batem à Porta inicia exatamente onde o longa se passa quase que por completo: no chalé em que a família formada por papai Eric (Jonathan Groff), papai Andrew (Ben Aldridge) e a pequena Wen (Kristen Cui) passa férias. Sem explicação alguma do que está acontecendo, o estranho Leonard (Dave Bautista) surge em cena para uma breve conversa com Wen e para destacar não só o objetivo de seu grupo, mas para também revelar o contexto familiar de Wen, que foi adotada pelo casal Eric e Andrew. Em cinco minutos, já sabemos quem é a família e a motivação completa do grupo de estranhos formados por Leonard, a enfermeira Sabrina (Nikki Amuka-Bird), a cuidadora Adriane (Abby Quinn) e o tempestuoso Redmond (Ruper Grint). Além disso, também sabemos que os quatro membros do grupo de invasores tiveram visões do apocalipse e que, para impedir o fim do mundo, será preciso que um dos três membros da família se sacrifique até o dia seguinte para salvar a humanidade. É assim que Shyamalan estabelece a angústia do longa. Em cinco minutos, o sólido roteiro estabelece o básico e escala acontecimentos angustiantes a níveis bíblicos.
Aliás, é preciso destacar que não é só a angústia que cresce durante o filme. Tudo aumenta e toma proporções maiores, especialmente a performance de Dave Bautista, líder do grupo. Enquanto Sabrina, Adriane e Redmond passem desespero e pressa para que a família se sacrifique e salve o mundo de um suposto apocalipse, é o personagem de Bautista que coloca o grupo nos eixos ao passar seriedade, compreensão e fatos palpáveis de que de fato a família precise cometer um sacrifício para evitar o fim do mundo. Enquanto o roteiro caminha entre o absurdo e a loucura de supostos profetas do apocalipse ao apresentá-los como membros de um chat online, que como sabemos são antros de conspiradores, a construção narrativa escrita por Shyamalan em parceria com Steve Desmond e Michael Sherman também cresce para caminhar entre a lógica e acontecimentos reais e gerar dúvida se de fato o mundo está acabando ou não.
E embora o maior questionamento do longa seja escolher qual familiar deve ser sacrificado pra salvar a humanidade, o roteiro também consegue fazer o espectador se questionar se o grupo apocalíptico está só tendo um surto coletivo ou se de fato estão tentando impedir o apocalipse. No entanto, o roteiro e questionamentos só funcionam e ganham proporções maiores com a direção de Shyamalan e a performance totalmente sólida de todos os atores envolvidos. O grupo de estranhos dá um show de maluquice e exageros enquanto o trio familiar formado por Andrew, Eric e Wen expressam e elevam o nervosismo e a tensão sentimental enquanto tentam se desprender dos maníacos. Tudo se alinha e se complementa numa história que gosta de causar nervosismo do começo ao fim.
Vale notar que o filme faz questão de focar seus acontecimentos no presente, ou seja, em tudo que está acontecendo dentro e fora do chalé. Isso significa que dar poucos detalhes do passado dos personagens deixa tudo ainda mais misterioso, principalmente em relação ao grupo de estranhos. Pouco sobre eles é revelado, e quando algo é revelado, é revelado também aos poucos. Inicialmente, descobrimos que os quatro membros do grupo tiveram visões do apocalipse e que precisam encontrar uma família em uma cabana para que eles tomem a decisão de salvar a humanidade. Em seguida, traços do passado de cada um é descrito através dos diálogos entre eles e a família. Mas quando o assunto é o passado de Andrew e Eric, o filme apresenta flashbacks que funcionam não só como um recurso de enriquecimento narrativo ou para dar contextos. Os flashbacks entre os dois funciona para mostrar o amor entre o casal e, principalmente, o quanto sofreram com a homofobia e a intolerância e o quanto isso influencia na decisão que eles precisam tomar. Afinal, você se sacrificaria para salvar a humanidade que te odeia?

Roteiro, atores e direção se encaixam de forma harmoniosa e funcionam como os três pilares que sustentam toda a tensão narrativa até a chegada do clímax. Mas é preciso destacar que nem tudo são flores. Entre os piores momentos de Batem à Porta estão os trechos com uso de CGI e o desfecho final do longa. O uso do CGI é necessário e compreensível, já que está lá para para destacar acontecimentos importantes para a trama, mas os efeitos gráficos se destoam da realidade e em vez de serem impactados pelo que está acontecendo, os olhos não conseguem tirar o foco de aviões e ondas feitas por computadores. A trama e a performance dos profissionais envolvidos foram suficientes para me trazer de volta pro filme, mas sempre que o CGI aparecia, meus olhos reviravam. Nas cenas de CGI, Batem à Porta se aproxima de filmes catastróficos como 2012, e isso é o suficiente pra quebrar a imersão.
Outro problema é o próprio desfecho final. Shyamalan é conhecido por seguir a mesma fórmula em seus filmes: a tensão crescente, atores que entregam ótimas performances e um plot twist mirabolante – que nem sempre funciona. Este talvez seja o ponto que mais irá gerar discussões sobre o filme, pois há e não há um plot twist. Para muitos, a revelação de quem é o grupo de estranhos e o desfecho da decisão familiar serão os pontos altos do filme. Para muitos outros, a revelação de quem é o grupo de estranhos e o desfecho da decisão familiar serão decisões preguiçosas de uma história que poderia ter arriscado um pouco mais. A ambiguidade sempre cercou os clímax dos filmes de Shyamalan, e isso não é diferente aqui. Para mim, o final está longe de ser tenebroso, mas também está bem distante de ser tão impactante quanto os de outras obras do diretor. No fim das contas, o que mais me impactou em Batem à Porta é tudo que acontece antes da resolução final. O filme nada a longas braçadas, mas morre na praia com uma conclusão desanimadora e fria.
Batem à Porta entrega uma adaptação que é movida não só por um roteiro que segue em constante crescente até o seu desfecho final, mas também pela performance de tirar o fôlego de Dave Bautista e dos outros atores do longa. A motivação e a personalidade de todos é bem destacada ao longo de uma hora e quarenta de filme, e as dúvidas e respostas surgem a cada cena. Mesmo que encarregado de uma adaptação, Shyamalan retorna às telonas com a mesma performance que o consolidou na direção de tantos outros filmes, e entrega uma experiência crescente do começo ao fim. No entanto, o final tira o cobertor que aqueceu a audiência e a conclusão esfria os corações que passaram uma hora e quarenta acreditando que algo maior viria antes do subir dos créditos. Um bom filme, mas nada mais do que isso.
Batem à Porta se sustenta pela tríade formada pelo roteiro, a direção e a performance dos atores, que se unem para entregar uma experiência tensa e com um desfecho que vai, como de costume das obras de Shyamalan, dividir o público.
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6.5