Alguns filmes são capazes de transcender ao espectador emoções profundas. Algumas passageiras, outras que se mantém ao longo de anos. Emoções que podem ser descritas como alegres, angustiantes ou frustrantes. Através destas emoções, alguns filmes podem ainda ser mais profundos e cirurgicamente desenvolver questões ideológicas em seu espectador, tentando ultrapassar a barreira da ficção, ou deixar menos túrbidos, discussões antes menosprezadas em nosso dia-a-dia. The Matrix, ou para os mais íntimos Matrix, sempre foi considerado uma franquia capaz de dialogar com seu público exatamente como descrito anteriormente. A obra desenvolvida pelas irmãs Wachowski sempre ficou no limite entre a ficção e a realidade, ainda que seus diálogos sobre política e sociedade tenham se tornado um marco na cultura pop.
Agora com o lançamento de Matrix: Resurrections, após 20 anos desde o lançamento do primeiro filme, Lana Wachowski trouxe o que já era esperado: discutir os mesmos problemas do século passado. Não que isso fosse ruim, mas algo necessário. O roteiro de Lana, David Mitchell e Aleksandar Hemon deixam ainda mais claro os problemas da sociedade atual.
Ainda que seja um filme sobre diversidade, perdas e reencontros, Resurrections não abandona o manto de filme de ação trazendo cenas icônicas de volta a tela, e tornando piada momentos que ficaram para a história do cinema como o clássico bullet time citado diversas vezes no filme.
Novamente temos o protagonismo de Thomas Anderson/Neo, nome dado ao personagem de Keanu Reeves, dentro da Matrix. Descobrimos aqui o que levou o personagem após os eventos de Matrix Revolutions, com belas referências à franquia. A alternativa de recontar a mesma história mas com alternativas sutis de alcançar um público novo é um ponto mais do que positivo no filme.
Observamos um Neo cansado, e até cafona em alguns momentos, mas que é acompanhado por tratamento psicológico por seu terapeuta, aqui interpretado Neil Patrick Harris, como uma forma de conduzir o espectador a uma dualidade sobre a realidade em que vive ou os devaneios de um possível controle mental de um programa cibernético. Um paralelo bem estruturado com a vida real, o que faz realmente questionar junto a Neo se realmente todos os eventos anteriores foram reais ou apenas parte de um enredo de um jogo de videogame.
E dualidade é um tema central apresentado na trama. A vida é muito mais complexa do que apenas duas opções de uma decisão já pré determinada. Azul e você continua em um mundo de mentiras, fantasias e sendo usado por seres superiores. Vermelho você se liberta da opressão e junta-se a um grupo para libertar outros indivíduos que têm suas próprias escolhas reprimidas. É quase certo que a segunda opção é melhor, então qual a necessidade de existir a primeira opção? O roteiro explora bem as decisões individuais de cada personagem.
Além de trabalhar bem questões morais, Matrix é um filme sobre relacionamentos e confiança. Trinity, interpretada por Carrie-Anne Moss, retorna ao longa como parte central deixando de lado apenas a coadjuvante, mas sem esquecer a importância do romance com Neo. Yahya Abdul-Mateen II apresenta um novo Morpheus, menos filosófico, com um papel de confeccionar a confiança entre pessoas diferentes.

Matrix é um filme sobre relacionamentos e confiança.
Afinal, assim como na vida real, Matrix Ressurreição mostra que uma sociedade não pode ser construída com pessoas que possuem o mesmo tipo de pensamento. Em vez de trabalhar a questão de utopia como era Zion, aqui vemos um novo lugar que abriga pensamentos distintos, respeitando o convívio de todos e prosperando de forma conjunta. Um modelo de democracia ala Matrix de Lana Wachowski.
Claro, nem tudo são flores. Novos personagens são apresentados, alguns brevemente com seu background, outros poucos explorados. O filme deixa a sensação de um vazio na história desses personagens, ainda que possuam grande importância no desenvolvimento de Neo. É uma sequência, então a demanda por compreender os filmes passados é importante, mas a exploração de acontecimentos anteriores contínua nos dois primeiros arcos do filme entregam ao espectador a sensação de “eu já vi isso”. Positivo para novos, engraçado para antigos.
No fim, Matrix: Resurrections é um filme sobre confiança, amor, sociedade e esperança. É grandioso como o primeiro, mas tenta ser menos ambicioso. Explora questões importantes que farão legiões de cinéfilos discutirem mais uma década de teorias sobre vivermos em uma matrix. Não é revolucionário como em 1999, e não precisa ser, mas é tão atual quanto seus antecessores foram.
Matrix: Resurrecions (2021)
País: EUA | Classificação: 12 anos | Estreia: 22 de dezembro de 2021
Direção: Lana Wachowski | Roteiro: Lana Wachowski, David Mitchell e Aleksandar Hemon
Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Carrie‑Anne Moss, Priyanka Chopra, Priyanka Chopra, Jessica Henwick, Yahya Abdul-Mateen II.
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