Confesso — e peço desculpas — que este texto já nasceu bastante “atrasado”. Comecei a escrevê-lo como uma possível crítica do jogo, mas por diversos motivos acabei postergando e postergando até notar que uma crítica já não seria o ideal. E agora com o The Game Awards, acho que é um bom momento para retomar esse texto. 

Principalmente porque uma das sensações que eu tive com o jogo é justamente revê-lo sempre que ligava o videogame e lembrar que ele estava lá. E as lembranças estavam lá. Rever qualquer coisa sobre a obra e lembrar das memórias ainda bem marcadas em minha mente deixa claro o impacto que The Last of Us: Part II teve sobre mim. E também faz com que seja “fácil” eu elegê-lo como a maior experiência que eu tive com um videogame na minha vida, já que nunca havia vivenciado nada parecido com isso.

Uma experiência sensorial inédita

Embora pessoalmente não o escolha como o meu jogo favorito — favoritismo e qualidade não são a mesma coisa pra mim —, ignorar a experiência quase sensorial de TLoU II seria injusto da minha parte. Começando pela ansiedade do início: eu nunca havia esperado uma sequência com tanto afinco. Para mim, abrir o menu do jogo e dar o primeiro play foi comparado a entrar em uma sala de cinema para assistir uma sequência muito aguardada. Iniciar a gameplay e rever aqueles personagens tiveram um efeito parecido, bastante emocional.

Isso é justamente o que fez a diferença na obra. Não estamos falando apenas de algo emocional pela nostalgia de rever personagens, revisitar aquele universo ou aquela jogabilidade — agora aprimorada —, mas sim de uma trama cujo pilar principal é emocional. Uma constante dos jogos mais recentes da plataforma, vide o mais novo God of War, é inserir elementos na trama que tornem a narrativa mais emotiva junto ao espectador. 

Isso, que muitos comparam ao que é feito no cinema, já acontecia no primeiro TLoU, mas a forma como a Naughty Dog e o diretor Neil Druckmann fizeram aqui foi realmente algo único para mim. Utilizar os elementos narrativos do primeiro jogo para maximizar a imersão do espectador neste segundo criou momentos incrivelmente felizes, esperançosos, mas também pesados, culposos.

Quando as motivações da antagonista Abby são reveladas, não pude conter o choque ao lembrar da minha própria jogatina do primeiro. O prazer que tive ao controlar Joel e matar aqueles que “queriam fazer mal à Ellie” — ainda que esse “mal” seja totalmente relativo — me tornou não apenas o jogador/espectador, mas o cúmplice do trauma que se abateu sobre a personagem. Saber disso, sentir isso, foi apenas um dos insanos acertos da narrativa. A sensação é inédita e infelizmente pode ter sido algo frustrado nas jogatinas de muitos graças aos spoilers na internet. Além disso, com certeza foi uma sensação difícil de digerir para muitos, já que alguns saíram completamente enfurecidos com o jogo.

A jornada de vingança

Poucas narrativas são tão bem delineadas e simples quanto histórias de vingança. Tão antigas quanto podem ser, seja na literatura, no cinema e nos games, trajetórias do tipo são bem comuns e justamente por sua simplicidade, tendem a surgir das mais diversas formas. Não é diferente em TLoU II, já que por boa parte do jogo controlamos Ellie em sua jornada pessoal de vingança, que estende-se até para um epílogo que, à primeira vista, não imaginei que seria daquela forma.

Por mais que estivesse ansioso e cada vez mais impressionado conforme avançava na trama, de certa forma eu havia subestimado os roteiristas de TLoU II, esperando o típico confronto final onde o mocinho — neste caso, mocinha — enfrentaria e venceria seu algoz, conseguindo a tão esperada retaliação. Ledo engano, afinal, se ambos os jogos deixam claro alguma coisa, é que não existe preto no branco. Passando longe de qualquer maniqueísmo, a jornada de Joel e de Ellie, mesmo no primeiro, já ditava que não existe algo como o herói ou vilão absoluto — como nas histórias “fictícias” — e que tudo era um jogo de perspectiva, como cada qual sendo o protagonista de sua própria história.

Isso fica ainda mais explícito aqui, mas já era algo presente no primeiro jogo. Assim, além da surpresa do gameplay que nos força, enquanto espectadores, a acompanhar Abby e entender suas motivações, emoções, seus laços e suas perdas, o jogo subverte as expectativas ao frustrar nossa esperança — ou seria necessidade? — de vingança por Joel, a quem o espectador inevitavelmente se apega no decorrer da história, ainda que reconheça que ele está longe de ser um herói.

E ainda mais, no já citado epílogo, a obra novamente dá a Ellie — e ao espectador — a chance de acertar as contas, mas opta por um caminho muito mais difícil de digerir, ainda que coerente com toda a narrativa apresentada. É um ótimo final, mas agridoce, difícil de aceitar e com certeza bastante infeliz. 

Um final agridoce

O maior choque da narrativa de TLoU II para mim não foi, necessariamente, impedir que o espectador vá até os “finalmentes” e realize a vingança por Joel. Pelo contrário, eu entendo a escolha criativa para o conflito final da trama — que fala sobre ódio, rancor e perdão — e, embora seja uma resolução difícil, a cena final do epílogo foi o que me destruiu.

Se retomarmos a jornada de Ellie, a acompanhamos em uma história de vingança que é bem justificada: Joel a salvou no primeiro jogo e tornou-se uma figura paterna. Os dois personagens se completavam e embora houvesse conflitos entre ambos — Joel literalmente mentiu para ela e a impediu de cumprir um propósito que ela mesma gostaria de cumprir —, é impossível negar o apego entre eles. Assim, já seria um final desagradável se Ellie simplesmente não conseguisse realizar sua vingança, mas a obra vai além.

Um dos símbolos do segundo jogo mais relevantes para representar o laço da dupla é o violão que Joel presenteia Ellie no começo do jogo. Ele não apenas ensina como tocar, como em vários pontos-chave da gameplay o jogador tem a chance de usar o violão, reforçando a memória afetiva relacionada ao item. 

O final da narrativa permite que Ellie saia do conflito junto a Dina — após uma sequência incrivelmente intensa onde ambas chegam perto da morte — e tenha um fechamento feliz, deixando para trás essa jornada de ódio que percorreram durante todo o game. Entretanto, sem ficar em paz, ela opta por ir atrás de Abby novamente e não apenas se põe em risco de vida como sacrifica parte de si mesma no embate final. Ainda que decida abrir mão do próprio ódio em busca de manter um pouco de quem era — a lembrança de Joel no momento final é bastante importante para entendermos isso —, Ellie retorna para uma vida que nunca será igual.

Ao optar seguir o rastro de ódio, Ellie acaba se ferindo quando luta com Abby e retorna para seu lar sem parte dos dedos. Mesmo que tenha lutado para vingar seu pai — apesar da ausência de laços sanguíneos, ele era seu pai —, a garota sacrifica justamente seu presente, sua herança. Algo que foi significado e ressignificado mais de uma vez na narrativa, o violão jamais poderá ser tocado novamente por ela. A cena final, onde Ellie — e o jogador — tentam tocar, apenas tirando algumas notas quebradiças do instrumento, é dolorosa e bastante clara: sua busca não levou a nada além da própria morte. Ainda que não literal.

Impossível deixar para trás

Quando cheguei a esta cena após uma intensa jogatina com receio da personagem morrer em sua jornada, me senti muito mal. Observar o sofrimento da protagonista — e por mim, já que a jornada também é nossa enquanto jogadores — me fez sentir que sua dor era ainda maior do que se ela simplesmente tivesse morrido em sua jornada. Como já foi dito na literatura, a morte é fácil, pacífica. Mas a vida… O pesar de Ellie teria chegado ao fim se ela tivesse morrido em busca de vingança, mas o pesar que se abate sobre ela no momento final permanecerá ali, irreparável, até o fim.

Dominado por esse pesar, cheguei ao fim da jogatina e assisti, pacientemente, aos créditos daquela obra-prima diante de meus olhos, pensando na montanha-russa de emoções que passei durante a gameplay. Poderia ter sido um fim de jogo qualquer, mas sempre que retornava ao PlayStation 4 para jogar quaisquer outros jogos, eu relembrava da experiência de The Last of Us: Part II e, consequentemente, de seu final tão pesaroso. Meses depois, escrevo este texto, simplesmente constatando algo que já sabia: uma das maiores experiências que tive nos videogames e que, simplesmente, é impossível deixar para trás.

"Os filmes existem, é por isso que eu assisto!" Não é exatamente um "crítico de cinema", mas curte o termo "Filmmelier". Sonha em crescer e ser o Homem-Aranha um dia. Acredita que a vida não é sobre o quão forte bate, mas o quanto se aguenta apanhar. Mestre Pokémon, Sonserino e assíduo visitante da Terra Média.

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