Baseado no curta homônimo de 2013, Cargo insiste que o cenário pós-apocalíptico também pode ser palco de uma história emocionante onde a esperança é, de fato, a última a morrer, mas esbarra na desconexão emotiva entre protagonista e a situação em que é inserido. O filme estrelado por Martin Freeman chegou ao catálogo da Netflix na última sexta-feira (18).

Zumbis dominam todas as mídias mundo afora. Quadrinhos, videogames, livros, séries televisivas e, claro, cinema, conquistaram um vasto público com infectados sedentos por sangue, mas poucos encaram o gênero como uma oportunidade de inspecionar seu lado mais emotivo e dramático, e preferem apostar na ação para entreter audiências. Sim, a temática permite abordagens caóticas e brutais, entretanto, uma perspectiva mais comovente raramente é o foco das histórias que colocam a humanidade contra um vírus mortal – ponto totalmente explorado em Cargo.

Na vastidão Australiana, Andy (Martin Freeman) e Kay (Susie Porter) buscam recursos para sobreviver e assegurar a integridade da pequenina Rosie, filha do casal. O início lento e inóspito serve para inserir um conflito e nos mostrar que há algo errado no mundo que assistimos, assim como revelar a psique do protagonista e a trama principal de Cargo. O mistério do que aconteceu no mundo segue em um interessante ritmo, e o roteiro escrito Yolanda Ramke não acha necessário nos explicar eventos prévios ao “apocalipse” – o que se torna, em sua própria maneira, algo positivo e relevante na conexão entre espectador e trama -, e falta de infectados na tela cria expectativa no gênero previsível.

O filme se mostra fiel ao curta em que se inspira, mas é preciso amplificar a mitologia criada Ramke e Ben Howling em 2013. Para isso, outra linha narrativa é inserida no filme com a jovem indígena Thoomi, interpretada pela estreante Simone Landers, que se mostra uma ótima sobrevivente. Outros personagens estabelecem as regras e dinâmicas do apocalipse e, mesmo que não tente inovar o gênero, Cargo consegue encontrar recursos e inúmeros momentos para se inventar e criar seu próprio mundo original. Cada personagem desempenha seu papel de forma única e são bem diferenciados através de suas ações e diálogos, mas todos tem a mesma motivação: sobreviver.

O palco para o pós-apocalíptico é muito bem construído através do cenário e a trilha sonora intensamente tribal. Entretanto, a busca pela resolução final do protagonista tira volume na atuação de Freeman, que nunca parece condizer com a situação que o engole. O personagem raramente se mostra desesperado, mesmo que corra contra o tempo e contra sua própria condição, e sempre que uma oportunidade positiva surge, o personagem se desgruda do caos de forma rápida e simples. Por outro lado, Thoomi consegue ser mais carismática através de um simples olhar – outro fator que retira a carga do protagonista. Aos poucos, o drama perde peso com a promessa constante de um final feliz para a pequena Rosie e soluções rápidas para situações mais perigosas.

Mesmo com a falta da conexão entre espectador e personagens, há algo a se apoiar em Cargo. Com a passagem dos segundos, somente queremos saber se o pai conseguirá atingir seu objetivo – presos a isso, continuamos encarando a tela. Diversas situações na jornada do protagonista são apresentadas para tentar enfatizar a desconstrução e as dificuldades de uma Austrália derrotada. Problemas são resolvidos de forma rápida, mas não menos criativas, e também tiram intensidade nos empecilhos construídos, mas há algo positivo a se tirar da jornada: a esperança é a última que morre.

Sem abusar do esdrúxulo e da violência, Cargo não chega para inovar filmes com mortos-vivos e somente tenta contar a história de um pai motivado a encontrar segurança para sua filha em um mundo pós-apocalíptico. O filme entende que não é preciso escancarar zumbis nas telas para contar uma história minimamente emocionante e se apóia no sentimental paternal para entreter. Tudo é muito simples e rápido, resultando em leves desconexões com o protagonista e com o emocional que presa desde o início, somente imergindo o espectador pelas novas tendências que explora e pela resolução final.

30%
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Bom

Cargo (2018)
(Cargo)
País: EUA | Estreia: 18 de Maio de 2018
Direção: Ben Howling e Yolanda Ramke | Roteiro: Yolanda Ramke
Elenco: Martin Freeman, Susie Porter, Simone Landers, Anthony Hayes, Caren Pistorius, Kris McQuade

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Cofundador e editor-chefe do Duas Torres. Fascinado pela narrativa de J. R. R. Tolkien e pela evolução do entretenimento, encontra paz ao escrever sobre filmes, séries e games.

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